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De salto alto

A Baixada Santista nunca foi tão glamurosa. Ser Drag Queen hoje dispensa ainda mais rótulos e o que vale é se jogar. Mais jovens do que nunca, rapazes se inspiram em divas da noite, fazem carão e lá se vai mais um rímel...

Não é novidade que as drag queens sempre chamaram a atenção pelo visual extravagante, e por isso mesmo brilham em festas da comunidade LGBT mundo a fora. Elas se destacam também pela pluralidade de atitudes: pode ser por mera experimentação, diversão, ato político e até como escudo para os tímidos, que se sentem empoderados quando se montam –aqui o verbo montar equivale a transformar-se, caracterizar-se como um personagem, como o próprio alter ego. Fato é que a arte de fazer drag nunca esteve tão presente na Baixada Santista. Sim é uma arte, segundo os adeptos. E detalhe: a maioria mergulhou no mundo das perucas, cílios gigantes e purpurina no início da vida adulta. 

Em algumas casas noturnas da cidade elas reinam soberanas. Mandam e desmandam. Muitas vezes marcam presença como VIPs, afinal ninguém resiste ao figurino fashionista à atitude descolada dessas divas da noite. Antes dos portões da Tribal Club, em Santos, serem abertos ao público elas fazem cena, tiram selfies com as pessoas da fila, mandam beijos e postam tudo em suas respectivas contas no Instagram. Celebridades em ascensão constante, as drags vêm assumindo personalidade de porta-vozes do movimento. 

Sob as camadas de pancake, litros de laquê e maquiagem pesada, escondem-se seres humanos em busca de respeito e muitas vezes reconhecimento profissional. Para isso apresentamos dois extremos: Rodrigo Oliveira, que topou o desafio da Viral e se montou pela primeira vez na vida; e Felippe Souza, exBianca DellaFancy, que prefere não ser mais uma das drags mais famosas da noite paulistana, mas acredita que deixou um legado. No meio disso tudo, Lorena Lauritzen, ou Pedro Henrique, que depois de um expediente no fim de semana em uma operadora de telemarketing, coloca todo mundo para dançar em troca de um dinheiro “extra”... A mãe, por sua vez, se sente muito orgulho do filho que tem.

De Rodrigo, a Jhennypher


Rodrigo Oliveira nasceu em São Paulo. Foi criado no Guarujá e agora, aos 22 anos, escolheu viver em Santos. Sem trabalho fixo e com os estudos interrompidos, ele faz a linha “dono de casa”. Quando não está ajeitando alguma coisa no apartamento que divide com o namorado, passa horas vendo e revendo as temporadas de RuPaul’s Drag Race, no Netflix. “Adoro! Conheço todas as participantes, e sei cada uma das frases e expressões usadas pela mama ru” (apelido do apresentador e idealizador do reality show de drag queens americanos). A série, nos moldes dos realities de aspirantes a modelo, já é sucesso no Brasil e tem um roteiro que busca humanizar os personagens.

Sua admiração pelo programa ultrapassa alguns obstáculos. Rodrigo assume que tem conflitos familiares quando o assunto é a sua orientação sexual, mas reforça que isso não o limita de seguir sua vida como pretende. Para esta pauta, a Viral precisava de um rapaz que nunca havia se montado. Ele aceitou de primeira, aliás, já escolheu até um nome cheio de consoantes para seu personagem: Jhennypher Lightwood.

Viral - Antes de receber o convite da revista, você já havia pensado em se transformar em drag queen?
Rodrigo - Em partes. Nunca tive vontade a ponto de tomar essa iniciativa sozinho. Eu já era assumidamente gay quando comecei a acompanhar RuPaul’s, e só assistia porque eu tinha muita curiosidade sobre o que acontecia no processo antes e depois da montagem. Foi meio gradativo. Aos poucos fui pensando mais na ideia de me montar. Eu já sou muito fã de divas pop, que de certa forma conversam com o mesmo público também. Assim, o convite para o ensaio chegou e eu me senti confiante para esse momento.

Como é a Jhennyfer Lightwood? Você seguiu os passos de alguém para traçar a personalidade de seu “novo você”? Sou hiper fã de Adore Delano, uma drag americana que canta muito bem. Eu vejo que existem drags queens de diversos estilos, e a Delano tem um visual mais “rock star”. Eu gosto disso, e fiz o possível para que a Jhennypher transparecesse essa imagem também. Sobre o nome… eu sinceramente não sei explicar [risos]. Eu criei esse nome com a ajuda de amigos e não vejo um significado específico para isso. O som ficou bom e eu adotei para minha drag.

Você se montou exclusivamente para o ensaio, mas no fundo não há vontade de sair na rua de Jhennypher? Para uma balada, talvez? Vamos por etapas [risos]. Eu, mesmo que brincalhão, sou muito tímido, e o ensaio já está sendo um grande passo para a desconstrução da minha vergonha. A maioria das pessoas em nosso país têm um pensamento ainda muito conservador, e eu me preocupo com isso. Quando vejo uma drag na balada fico empolgado, outras pessoas que não frequentam lugares ou não entendem a realidade das drags podem ser hostis.

Em relação aos amigos e ao namorado, como foi a recepção da notícia que você seria drag por um dia? A maioria dos meus amigos adoraram a ideia, pois trocamos figurinhas sobre RuPaul’s. Meu namorado apoiou bastante. É bom estar perto de pessoas que me apoiam assim de forma tão ampla. Fiquei decepcionado com um amigo que, quando soube, desdenhou da ideia de “querer ser mulher”, como ele disse. Bom, eu não quero ser mulher. Nunca quis. Esse pensamento é muito antigo. E certamente, as pessoas que são drags não querem ser o sexo oposto. São artistas, não? [risos].

Rainha da pista

Lorena Lauritzen (Arquivo pessoal)

Todo fim de semana é assim. Acaba o expediente de Pedro, de 19 anos, em uma operadora de telemarketing, e ele corre para o camarim do dia e prepara tudo para dar um show. Tem dias que é na Tribal, em Santos, em outros a balada rola na The Club, São Vicente. Até na Blue Space, da capital Paulista, ela já comandou a pista de dança da noite LGBT. De Guarujá para o universo drag, Pedro Henrique Carvalho, ou, para quem o encontrar atrás de uma mesa de som com muita maquiagem, Lorena Lauritzen.

Na noite da realização do concurso da drag mais incrível da Tribal, em meados de março, Lorena acena para os “migos” e as “migas”, encara as inimigas, e comanda uma playlist que vai de Beyoncé até Britney Spears. Ela usa um look básico, trabalhado no preto, mas que brilha e a deixa luxuosa.

Viral - Quanto você gastou para se montar esta noite?
Lorena - Só R$ 25. Me faltavam os cílios [risos]. Drag queen em Santos não é tão bem valorizada, e alguns locais não querem pagar quando nos convidam. Ou então pedem para a gente se apresentar / tocar em troca de bebida free na balada. Já dizia a música Dona da também drag Glória Goove, acham que consumação paga peruca.

Você começou a ser drag cedo. Algum motivo específico? Não exatamente. Comecei a me montar depois de tanto assistir shows da drag Samanta Banks na Tribal. Com 17 anos eu usava meu RG falso para entrar na balada. Em certo momento vi a Samanta e fiquei impressionado. Aquela artista negra fazendo aquele carão... quis fazer aquilo também. Adotei umas características minhas para a Lorena, por exemplo: sou negra e afeminada.

Como é a sua relação com a família em razão de você também ser Lorena? Meus familiares sabem, mas eu só ficaria montado para a minha mãe, a única que realmente me apoia. Devo muito a ela por ser Lorena Lauritzen. Ela ama me ver montada. Me ajuda, empresta roupas para compor meus looks. Não é todo mundo que gosta das drags. A Lorena mesmo, tem gente que acha ela depravada, mas eu nem ligo pra isso. Me importo com o que a minha mãe pensa de mim, e se ela quer eu passe 24 horas montada só para ela, então a Lorena vai ser depravada mesmo. Beijos!.

Carão não é tudo

Bianca DellaFancy (Arquivo pessoal)

O número crescente de homens e mulheres que se dispuseram a vivenciar o mundo drag, se deve à popularização do reality RuPaul’s Drag Race. Para alguns, no entanto, a vida de glamour e brilho chegou ao fim. É o caso de Felippe Souza, de 26 anos. Ele simplesmente se cansou de tantos procedimentos para esconder sobrancelha, a genitália, e qualquer outro traço que remeta a seu gênero de origem. Ex-Bianca DellaFancy, muito conhecida na noite Paulistana, há pouco menos de um semestre, tirou a peruca e decidiu deixar sua personalidade exuberante apenas no perfil do Facebook.

Viral - Por que você não é mais Bianca DellaFancy? 
Felippe - Na verdade eu ainda sou. Não gosto de dizer que a Bianca não existe mais, pois foram dois incríveis anos de reconhecimento para a minha personagem dentro e fora do estado de São Paulo. Aí que está o problema. A Bianca ficou conhecida e teve diversos privilégios nas melhores casas noturnas. Nem todo mundo conheceu o Felippe. De fato ela virou uma celebridade, visto que, quando posto alguma coisa na conta dela no Facebook ou Instagram, recebo muitas curtidas e elogios. Penso: “mas eu não fiz nada [risos]”, e ainda assim tem gente dizendo que ama a drag. Por isso mantenho o perfil ativo, pois eu vejo que deixei um legado com a minha drag, mas viver de carão não é comigo.

Digamos que você ganhou a oportunidade de se montar mais uma vez... Bom, aceitaria, se me pagassem muito bem por isso. Houve momentos em que eu gastei R$ 500 em um dia na balada, e o que eu recebia por fazer presença VIP não dava para manter o estilo da personagem.

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