
Prédios da orla santista contam capítulos inteiros da história da cidade.
Os prédios da orla da praia fazem parte da identidade cultural da cidade, e representam fases distintas da arquitetura e da história social e econômica de Santos. É como se formassem uma “fachada” da cidade, delineada por um mosaico de estilos, tons e tamanhos.
Os prédios da orla da praia fazem parte da identidade cultural da cidade, e representam fases distintas da arquitetura e da história social e econômica de Santos. É como se formassem uma “fachada” da cidade, delineada por um mosaico de estilos, tons e tamanhos.
A orla é uma das marcas mais expressivas de Santos, assim
como o porto, os canais e os jardins. E, historicamente, um grande atrativo
para construtoras e moradores. “A orla possui um acervo importante de obras.
Porém, predomina uma arquitetura comercial”, analisa Luiz Antonio de Paula
Nunes, professor de História e Teoria de Arquitetura e Urbanismo da UNISANTA.
Hoje os 195 prédios residenciais postados de frente para o mar
contam histórias de diferentes períodos do desenvolvimento da cidade. Palma de
Mallorca, Copacabana, Indaiá, Astros, Paulistânia e Jardim do Atlântico são
alguns dos nomes que representam a pluralidade de estilos, de diferentes
escolas. Alguns têm tanta relevância cultural que são tombados pelo Condepasa
(Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos), caso do Parque Verde
Mar, do edifício Enseada, o Astro, marco modernista, e os Palacetes São Paulo e
Olímpia.
O contraponto é representado por quatro empreendimentos em
construção ou quase prontos para serem inaugurados, que trazem o conceito dos
modernos arranha-céus, com amplas áreas envidraçadas e muitas sacadas
praticamente debruçadas sobre os jardins a orla. Recentemente um supermercado
que era localizado próximo ao canal 2 foi demolido para dar lugar a uma dessas
construções, com previsão para vertiginosos 37 andares. Mesmo com a crise
financeira a faixa litorânea permanece na mira das empreiteiras, da população
local e dos que sonham com uma moradia de veraneio.
Quem olha do mar para a orla pode identificar onde estão os
chamados “clássicos”, aqueles edifícios muito emblemáticos de um tempo ou de um
modismo, localizados principalmente entre os bairros do Boqueirão e José
Menino. Um deles é o pioneiro Palacete Olímpia, de 1928. Se um dia o Palacete
foi símbolo de imponência, hoje seus cinco andares mal dariam para abrigar as
enormes garagens construídas para os arranha-céus dos anos 2000. “Os prédios
novos e altos são fruto de um processo de valorização imobiliária, mas não
descaracterizam a identidade da cidade, apenas reforçam a particularidade
sócioespacial desse tipo de ocupação”, analisa o arquiteto e professor Luiz
Antonio de Paula Nunes.
Símbolos de uma era

Com a inauguração da via Anchieta em 1947, e a rápida
industrialização do ABC, as cidades da região viram um número ainda maior de
visitantes surgir a cada final de semana ou mesmo durante a semana nos meses de
calor. Era a nova classe média endinheirada, em busca de um lugar ao sol. De
frente para o mar.
O ritmo das construções e a valorização da orla como lugar
nobre para a moradia ganharam novo impulso com a inauguração da Via dos
Imigrantes, em 1974.
Foi para esses visitantes que um dos nomes mais ilustres da história arquitetônica da cidade de Santos teve a ideia de construir um prédio de frente para o mar. Em meio à roda de amigos que tinham um encontro semanal no restaurante do Mappin, em São Paulo, o arquiteto João Artacho Jurado foi instigado a conceber prédios de apartamentos de veraneio no litoral. Apaixonado pelo mar, Jurado, acatou o pedido dos amigos e quis trazer para a cidade características que consagravam suas construções na capital. É dele o projeto do edifício Parque Verde Mar, localizado no Boqueirão, um empreendimento que se destaca pela cor, beleza e as curvas que buscavam harmonia com a paisagem da praia.
O professor de Arquitetura e autor de um livro sobre a obra
de Jurado, Ruy Eduardo Debs, explica que, apesar das citações modernistas,
estilo dominante à época, Jurado criava fachadas elaboradas, com recortes nas
vigas estruturais, pastilhas arredondadas e detalhes em madeira nas
jardineiras. “O estilo modernista não pressupõe adereços, enfeites. E Jurado
veio na contramão e marcou seu estilo com diversos ornamentos, tornando-se a
negação do estilo que era adotado”, completa.
Mas os prédios da orla vão muito além do Parque Verde Mar e
do Enseada, este, localizado entre os canais 6 e 7. Antes do colorido
exuberante de Jurado, o Palacete Olímpia, na metade do caminho entre os canais
1 e 2, já apresentava um conceito moderno para a época. Foi a primeira
edificação pluri-residencial da orla santista. Isso em 1928. O dono do terreno
construiu o prédio e apenas alugava os apartamentos para quem queria morar por
lá, mesmo conceito do Palacete São Paulo, de 1929, até hoje instalado no canal
3 com a praia.
No José Menino, equina com a rua Santa Catarina, o Edifício
Biarritz, de 1942, com seus 10 andares foi o primeiro prédio da cidade no
esquema que conhecemos até hoje, em que as pessoas compram o apartamento ainda
na planta.

O boom mais recente da construção civil, que durou até 2015
foi motivado pelo sonho de prosperidade criado a partir da descoberta do
pré-sal, em 2007. Segundo o jornalista e escritor, Sergio Willians, membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Santos e da Academia Santista de Letras, as
pessoas hoje trocam suas residências menores para morar de frente para o mar.
“A vista sempre atraiu, inclusive com as construções de prédios maiores atrás
para que o morador das ruas próximas à orla pudessem também contemplar a
vista”, complementa o historiador.
Prédios tortos
Em toda a orla é possível perceber os tão famosos prédios
tortos, marca registrada da paisagem santista. Conhecidos no País e no mundo,
os prédios fora de prumo localizados em sua maioria entre os canais 3 e 6 são
atração para moradores e turistas. Entre os mais conhecidos estão os edifícios
Núncio Malzoni, ao lado da Pinacoteca Benedito Calixto, próximo ao canal 4, e a
menos de 100 metros, o Excelsior, conhecido como “Torto”, nome do bar instalado
quase abaixo do nível da avenida, que funciona ali há mais 30 anos.
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Prédio "Torto", como é conhecido, tem quase metade da inclinação da Torre de Pisa |
Já o edifício Excelsior, talvez o prédio mais icônico da
cidade, exibe com certo orgulho seus de 1,80 metros de desaprumo – quase metade
da inclinação da Torre de Pisa, que é a construção mais famosa do mundo por seu
desnível de aproximadamente quatro metros. Segundo a Prefeitura de Santos, o
“Torto”, tem a maior inclinação da cidade. Em 1977, o prédio chegou a ficar
interditado por mais de um ano.
Segundo o professor de Engenharia Civil, Adilson Luiz
Gonçalves, fundações feitas de forma irregular são o principal motivo para o
fenômeno conhecido como “recalque”, pois, as sapatas (nome dado ao tipo de
fundação que sustenta o prédio, que tem uma forma parecida a de um sapato)
estão na primeira camada de areia e não houve o estudo necessário no tipo
correto de fundação para a construção de um edifício tão alto. “As fundação foi
calculada para um prédio de nove andares, mas construíram um de 18, 19 andares.
Os prédios vizinhos auxiliaram nesses recalques e tiveram o mesmo problema.”,
explica o engenheiro.
Segundo Gonçalves, a areia é um ótimo lugar para fundações,
porém o solo santista, após uma pequena camada de areia de 6 a 12 metros, tem
uma camada de argila marinha de 20 a 40 metros, seguida de mais uma camada de
areia, e por último uma camada dura (formada por rochas) que varia de 40 a 50
metros. “A argila parece uma esponja, se você coloca muito peso, ela tende a ir
para os lados. Pois, a água contida nela sai, causando um afundamento e um
acomodamento do terreno.”, comenta.
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