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João das Cobras, o curandeiro do Rádio Clube


Quando os sintomas aparecem, os moradores da Zona Noroeste, em Santos, já sabem a quem recorrer

João das Cobras está sentado em uma cadeira no seu quintal, enfiado em um jaleco verde, com seu chapéu de pescador. Do seu lado direito, uma caixa cheia de ervas em pacotinhos transparentes. À sua esquerda, a bengala fica apoiada em uma cadeira vazia, a espera de alguém em busca de cura ou simplesmente de uma boa prosa. Enquanto a visita não chega, ele faz palavras cruzadas no jornal, com um olhar pensativo e distante, enquanto saboreia uma xícara de chá.

João é um homem simples, que deixa a porta aberta para quem quiser entrar e conversar. Sua aparência é a de uma pessoa cansada, mas com um olhar que transmite carinho e paciência. Aposentado, ele só não consegue largar uma, entre as inúmeras profissões que já teve: a curandeiro. Até pouco tempo ele mantinha no terreno ao lado de casa um empório de ervas, plantas e sementes com poderes curativos. Mas a lojinha não está mais aberta. O dinheiro que entrava não cobria nem os custos. João resolveu fechar o estabelecimento, mas manteve as portas de sua casa abertas para que jamais faltasse uma possibilidade de socorro para aqueles que o procuram. 

Seu João das Cobras é uma dos personagens mais populares do Rádio Clube, Zona Noroeste de Santos. É curandeiro dos bons, já tratou muita pedra nos rins, muita doença ginecológica, tosse e o que mais aparecesse na sua porta. “Eu ia daqui até Praia Grande andando pra buscar um remédio no meio da mata. A minha satisfação é ver as pessoas curadas”.

O seu trabalho no dia a dia é bem parecido com o de um médico tradicional: o “paciente” chega, relata os sintomas, João faz algumas perguntas e sapeca uma receita que vai aliviar a angústia ou a dor do visitante. “Tenho medicamentos para quem não tem condições de comprar um remédio caro”, resume. Ele conta que nos tempos de fartura distribuía erva de graça na feira do Gonzaga. Por cinco anos manteve esse hábito. Muitos o julgavam como louco, mas ele só queria ajudar quem podia.

Até bem pouco, tudo que se passava no seu “consultório” era guardado na memória: o nome do paciente, a queixa, o remédio indicado. Hoje em dia João não consegue mais receitar sem lançar mão do que ele chama de “pai dos burros”, um caderninho que contém anotações de próprio punho, sobre todas as ervas e para quais problemas de saúde elas servem. “Remédio é uma coisa que a gente tem que dar direitinho, né”. 

Ele jura que não foi o peso de seus 79 anos que afetou a memória, mas sim um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que o acometeu 10 anos atrás. O AVC representou um momento trágico em sua vida, que fez um homem ativo ficar preso a uma cadeira de rodas por meses. Poderia ter sido pelo resto da vida, não fosse seu conhecimento sobre o poder da natureza selvagem. A incrível recuperação dos movimentos surpreendeu médicos e moradores do bairro.

Para as pessoas da região, era nítido que aquele homem não poderia estar andando tão bem e com todos os movimentos. A recuperação espantosa mostrou para todos que a casa bege, de portão prateado e com a calçada branca não era como a “casa de ferreiro, espeto de pau”. Pois foi graças ao uso que fez de suas folhas que João das Cobras melhorou e voltou rápido aos trabalhos.


As ervas não ajudaram apenas na sua recuperação física, mas também no seu emocional. Ele confessa que quando se viu internado em um hospital, ficou arrasado, mas depois de algumas horas uma enfermeira apareceu no seu leito e disse: “Não acredito que o senhor está aqui”, segundo sua memória essa gentil enfermeira era uma mulher que havia sido curada por ele, com um de seus chás.

“O senhor salvou o meu útero, agora vou cuidar do senhor como um rei”, teria dito a enfermeira para Seu João. A partir desse encontro, tratamento VIP ao enfermo mais famoso da Santa Casa, com direito a deliciosas sopas feitas especialmente para ele.

Trajetória

Apesar do seu talento com as plantas, João teve que lutar contra a resistência de sua família no interior de Mato Grosso. Seu pai, benzedeiro, não queria que João seguisse esse caminho e quando o garoto insistiu em continuar aprendendo a arte de conhecer o poder de cada folha, raiz ou semente, foi expulso de casa aos 14 anos de idade. O interesse por esse universo surgiu, pois ele morava em uma fazenda e tratava dos animais doentes com as ervas. Seu pai só descobriu que ele tinha começado a receitar ervas para os vizinhos, quando um deles apareceu na sua porta, para saber mais a respeito da raiz que João havia lhe receitado. 


Longe de casa, ele escolheu seguir carreira militar para se tornar médico, que era o seu sonho. Atuou como policial do exército por anos, mas não conseguiu seu sonhado diploma de medicina. Mesmo assim, lembra com carinho das histórias que viveu vestindo sua farda. 

O apelido “das Cobras” tem a ver com um hobby no mínimo bizarro: quando jovem, João se aventurava no meio da mata para caçar cobras. A primeira vez foi por acidente. Ele andava pela floresta com dois cachorros e um deles foi mordido por uma cobra. João sabia que o soro para curar seu cachorro teria que ser feito com o veneno da cobra que o atacou, e então ele se embrenhou na mata atrás da danada. Queria a cobra viva poder para sintetizar o antídoto. Ele salvou o cachorro e quis ajudar mais vítimas de mordidas de cobra.

Começou assim a fazer um serviço voluntário e de grande utilidade pública. Todos os espécimes que encontrava, levava para o Instituto Butantã. Em sua antiga loja de ervas, “Toca das Ervas”, João guardava amostras de muitas cobras que capturou. Jaracuçu, jararaca, cascavel e coral eram as mais procuradas. 

Nunca cobrou pelo serviço, assim como não cobra consulta daqueles que o procuram. No lugar de contabilizar os dividendos, ele prefere falar dos milhares de bebês que acredita ter ajudado a vir ao mundo. João perdeu as contas depois de 3.600. Sua maior recompensa são as fotos e lembranças trazidas pelas mães, uma prática comum nos consultórios dos obstetras e ginecologistas.

Saúde da mulher 











João das Cobras diz que mulher é um “bicho” que sofre demais. Ele tem pena delas e por isso pesquisou quais as melhores combinações de ervas para curar miomas, ovários policísticos, corrimentos e diversas doenças ginecológicas que muitas vezes interferem na fertilidade. Aroera da bahia, barbatimão e calêndula são algumas das ervas que ele mistura para fazer o seu famoso chá. Mas não só as mulheres se beneficiam do seu conhecimento. Em reportagem do jornal A Tribuna publicada em 13 setembro de 2009, ele diz que também tem estimulantes para homens. Ele avisa que, caso uma mulher se submeta aos seus tratamentos e não queira engravidar, deve tomar muita precaução, pois ficará mais fértil. 

Ele não faz essa ressalva por acaso, já que sua própria filha, Marília, pediu para o pai cuidar dos seus problemas ginecológicos, mas não seguiu seu conselho. Ficou grávida e, a princípio, não queria ter a criança, por isso escondeu a gravidez de João. Quando ele descobriu, disse que havia avisado e agora era unir a família e cuidar da criança. O neto, Andrey, de 11 anos, é grudado com o avô. Quando está por perto, ajuda o avô a pegar ervas no estoque ou simplesmente faz companhia, observando o movimento da rua. 

Uma de suas clientes mais satisfeitas é Carla Fraguas, de 42 anos. Ela jura de pé junto que só engravidou por causa do chá poderoso do seu João. Por estar com seus 32 anos na época e nunca ter engravidado – já havia tentado inúmeras vezes sem sucesso, foi a especialistas e descobriu que tinha um mioma - pensava que não poderia ter filhos. Ela estava em um relacionamento estável e sem contar nada para seu noivo, decidiu testar o chá do João das Cobras: “Não tive que esperar muito para ver o resultado, em menos de um mês soube que estava grávida do Raul”. 

Quem também tem o que falar sobre ele é o aposentado, Sadraque Vicente, de 47 anos. A pedido de sua esposa, que sofre com diabetes, ele procurou seu João. Como ouviu muitas histórias sobre João, a esposa de Vicente pediu para o marido procurar o curandeiro para ver se dava jeito de controlar sua doença. Para garantir total eficiência do novo tratamento, Vicente tirou inúmeras dúvidas sobre os métodos de uso e perguntou sobre a doença que acomete sua esposa. “O remédio dela não está mais fazendo efeito”. João entregou-lhe dos saquinhos transparentes, deu as instruções de uso e não cobrou pela consulta, nem pelo medicamento. 

Doenças sempre vão existir, mas para os moradores da Zona Noroeste a forma de tratamento pode ser bem diferente. Além de um diagnóstico e umas folhas de chá como remédio, os moradores também têm acesso fácil e garantido a uma boa prosa.

3 comentários:

  1. Esse homem é fera. Eu comprei muitoooo com ele. Uma pessoa maravilhosa. Eu agora moro em Mongaguá. Portanto eu quero saber o endereço. Saudades dele.

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  2. E eu estou querendo endereço telefone, se alguém puder me ajudar..

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