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O primeiro mandato de um vereador

Nesta reportagem, abordamos sobre o primeiro mandato de vereadores da região. Eles entram na política com o discurso de fazer a diferença, mas conseguem?


A maioria dos vereadores chegam à Câmara motivados por amigos e familiares. “Você é bom! Conhece todo mundo. Vai ser vereador”. E, independentemente dos motivos que fazem um munícipe qualquer querer representar todos os outros de sua cidade, como salário e popularidade, o primeiro mandato é quase sempre um choque de realidade.

Chegando ao final da primeira legislatura, os vereadores Kenny Mendes (DEM) e Evaldo Stanislau (Rede), de Santos; Genivaldo do Açougue (PSD), do Guarujá, e Ricardo Corrêa (PT), de Peruíbe, ouvidos pela reportagem da revista Viral reclamam praticamente das mesmas dificuldades.

Entre as queixas mais comuns está a expectativa de conseguir aprovar aquelas ideias prometidas durante a campanha, de ser reconhecido por bons projetos, e de ter voz ativa no plenário. Uma espécie de herói. Mas, na prática, a burocracia faz com que um simples requerimento vire uma novela.

Já o eleitor, mesmo que às vezes nem lembre em quem votou, relega o edil ao papel secundário de quem pode fazer um favorzinho aqui ou ali. Herói ou mero coadjuvante?

Engenheiro de formação e professor universitário há quase 20 anos, Kenny Mendes (DEM) foi eleito vereador de Santos em 2012, após incentivo de centenas de seus alunos. Em seu primeiro mandato, o canadense naturalizado brasileiro sofreu com o idealismo de quem veio de longe para tentar ser um divisor de águas na política santista.

“Por não ser de Santos e vir de outro país, entrei na Câmara com muitos ideais, sonhos e ambições. Quis retribuir o carinho e recepção que tive no Brasil e na região. Fui incentivado pelos meus alunos, e não me arrependo. Amo o que faço, e acho que consegui tirar várias coisas do papel, mas, na prática, sabemos que a maioria dos trâmites não depende só de boa vontade. A política poderia ser mais dinâmica. O processo entre executivo e legislativo é muito difícil. A burocracia desmotiva. Não vou estar vivo para quando o processo for diferente”, lamenta o professor.

O primeiro projeto apresentado por Kenny após ser eleito, em 2012, e tomar posse, foi o de instalar ares-condicionados nas escolas públicas de Santos. Ele nem imaginava a batalha que teria pela frente. No primeiro ano, os recursos não foram destinados pela Secretaria de Educação e só doze meses depois foram aprovados no orçamento previsto para 2015. Com isso, os equipamentos foram comprados, mas aí veio outro problema: os colégios não comportavam a instalação por causa da fiação elétrica. Obras foram iniciadas, e, atualmente, quase um mandato depois, apenas 8% das salas de aula têm refrigeração.


Preparação para a Legislatura
Durante as campanhas eleitorais, os futuros vereadores são orientados por membros do partido e contratam, em caso de bom aporte do partido, uma equipe multidisciplinar para que vençam nas urnas e cheguem à Câmara preparados. Mas como se preparar? Para o médico Evaldo Stanislau (Rede), eleito vereador de Santos para o primeiro mandato também em 2012, a política – e principalmente a politicagem -, só se aprende na prática.

O legislativo municipal possui limitação constitucional. Mesmo um ótimo projeto para a população depende de trâmites e comissões parlamentares, principalmente se demandar grandes investimentos dos cofres públicos.
“Dentre a expectativa e a realidade (do primeiro mandato), claro que existe um grau de frustração, de não ser exatamente o que esperávamos. Algumas coisas a gente só entende na prática. Entre as principais frustrações está a limitação constitucional da função do vereador, que no campo propositivo é muito cerceado, uma vez que há boas ideias, que podem ser dadas como inconstitucionais e vetadas já nas comissões, principalmente se gerarem despesas. É um aprendizado diário”, desabafa o doutor.

O que faz um vereador?

Além das dificuldades e limitações já apresentadas por Kenny Mendes e Evaldo Stanislau, os primeiros passos na política regional mostram outros dois grandes vilões: a generalização da classe e a falta de conhecimento da função do vereador.

Os vereadores precisam conviver com certos clichês, como “políticos são todos iguais” e “trabalham pouco e ganham muito” e, em compensação, boa parte dos eleitores sequer sabem as competências, atribuiçoes e deveres daqueles que escolheram para representar o município.

De forma teórica, o vereador é responsável pela elaboração, discussão e votação de leis para a municipalidade, propondo benfeitorias, obras e serviços para o bem-estar da população. Também são responsáveis pela fiscalização das ações tomadas pela administração municipal, ou seja, o prefeito.

Já na prática, coleta de lixo, saneamento básico, buraco na rua, falta de policiamento, fila no hospital e preços do mercado - problemas diversos e de responsabilidade de outras esferas da administração pública -, são todos culpa de “mais um político ladrão”. Ou da Dilma?

Givaldo Feitosa, mais conhecido como Givaldo do Açougue, nasceu em Brejo Grande, interior de Sergipe, e mudou-se para o Guarujá ainda criança. Com um açougue em Vicente de Carvalho, conseguiu dar uma melhor situação à sua família. Conhecido na cidade, se tornou vereador em 2012, pelo PSD. O nordestino garante que não se tornou político pelo dinheiro e que se considera uma “exceção”.

“Foi aqui na Baixada Santista que consegui ter o padrão de vida melhor do que na minha cidade, diferentemente do que meus pais tiveram. Mas foi com muito suor e luta que consegui isso e não como vereador. Entrei na política para ajudar a população do Guarujá e não para ganhar mais dinheiro. Mas sei que há uma generalização que todos são corruptos, devido a essa roubalheira que vem acontecendo no país”, defende-se Givaldo.

Givaldo também fala que a expectativa, quando se está de fora da política, é de chegar e fazer tudo – ou quase tudo – que considera importante para a sua cidade. No entanto, na prática, vê que não é assim.

“Quando você está fora da política, você fica na expectativa de que você vai conseguir fazer tudo por sua vontade, sua força e seu braço, mas não é assim. Na Câmara, você encontra várias cabeças que não pensam iguais a sua. Quando se tem alguns projetos de lei, você tem que discutir, dialogar e, pela maioria das vezes, o teu projeto tende a não seguir em frente”, lamenta.

Reeleição 
Apesar dos queixumes e pesares, a maioria esmagadora dos vereadores, incentivada pelo bom salário, desafio ou apoio do partido, arrisca a reeleição. Se a primeira vitória nas urnas foi uma aposta da população da cidade, o “bicampeonato” vira, em linhas gerais, a confirmação de um bom trabalho nos primeiros quatro anos.

“A primeira eleição não é uma avaliação, é uma aposta. As pessoas mais próximas, como família, amigos, alunos, no meu caso, apostam em você, confiam em um bom trabalho, te impulsionam, sabem do que você é capaz. Mas os novos eleitores, não. Nós torcemos para que votem conscientemente, que se identifiquem com os projetos e ideias, e que te deem um voto de confiança. Depois disso, são quatro anos de primeiro mandato e a reeleição, ou não, se torna uma avaliação”, opina Kenny.

“Ser reeleito é uma forma de mostrar que deu conta do recado. Não se pode perpetuar no cargo, mas também não concordo com ser eleito em primeiro mandato e depois pular fora do barco ou ter novas pretensões políticas antes de receber a avaliação dos munícipes”, completa o vereador do DEM.

Assim como em todas as profissões, há os bons e os ruins. Na política não é diferente, mesmo com a tendência de que se olhe apenas para os corruptos. Entre os vereadores, mais especificamente, também há os que fazem, os que tentam fazer e os que não fazem. Para que a Câmara seja composta por representantes fidedignos da população, é preciso votar de forma consciente, fiscalizar o escolhido e saber de suas responsabilidades. Caso contrário, os clichês nunca deixarão de existir. 



Cargo político é profissão? 
Para muitos, o cargo político - seja como vereador, deputado ou qualquer outro -, é encarado como profissão, daí o termo popular “político profissional”. E não que a voz do povo seja a voz de Deus, mas em muitos casos existem, sim, vereadores que desistem já na primeira legislatura. É o caso do vereador de Peruíbe, Ricardo Corrêa (PT). 

Petista desde a década de 80 – quando o partido foi fundado –, ele conta que continua como militante até hoje. Em 2002, foi candidato a deputado estadual representando os bancários, mas não conseguiu ser eleito. Já em 2012, a história foi diferente ao conseguir se eleger como vereador de Peruíbe; cidade que escolheu para legislar por seus pais viverem no local há 40 anos.

Já estando na Câmara, foi líder da prefeita Ana Preto (PTB) durante grande parte do mandato e foi um dos que mais trouxe emendas para o município. Ainda assim, seu envolvimento com as questões da cidade e seus munícipes não foi suficiente para ele buscar um novo mandato. A justificativa?

Apesar da reportagem ter apurado que o político não tem um bom relacionamento com seus colegas de Câmara e que esse seria um dos motivos de não buscar uma reeleição, Corrêa explica de outra forma. Ele se diz contra a cultura presente no meio político nacional de se perpetuar no poder e opina que existem vários vereadores que estão há, por exemplo, quatro mandatos e não fizeram “nada” para justificar todos estes anos de Câmara Municipal.

Para isso, o vereador pretende formar sucessores jovens, que, segundo ele, são a esperança de uma política melhor. “Já fiz a minha parte. Agora gostaria muito de ver alguns jovens do meu partido no meu lugar”, diz o petista, que, semanalmente, conduz reuniões com jovens de seu partido.

No legislativo municipal, ele apresentou apenas um projeto de lei e diz que teve outras formas melhores de beneficiar a cidade do que as tradicionais atribuições de um vereador. “Vi que a grande maioria dos projetos eram de pouca relevância ou utilidade. E, quando são aprovados, na maioria das vezes não são colocados em prática”, explica.

Em contrapartida, o vereador explica que uma das formas de justificar seu trabalho pela cidade foi buscando emendas parlamentares advindas das câmaras estadual e federal, aproveitando o grande número de amigos deputados do PT. No total, ele conseguiu investimentos de aproximadamente R$ 2 milhões.

A importância do “LIKE”
Propomos a você um exercício: vá em sua rede social preferida, e pesquise pelo nome do político mais velho que lembrar. Até ele terá o seu perfil. Por quê?

Há um movimento recente na política brasileira de tentar aproximar o eleitor do eleito. Em um cenário ríspido e cercado de concorrência, qualquer diferencial pode ser decisivo. E é assim que a presença na web é vista.

Até pouco tempo atrás, não se dava a devida importância ao relacionamento com o munícipe na internet. “Ninguém vai votar em mim por causa disso”. Hoje, o discurso já é diferente e há investimento maciço em boas apresentações on-line. Nas eleições municipais há quatro anos, por exemplo, uma lei desautorizou o patrocínio a publicações no Facebook às vésperas das eleições, que fazem com que determinada mensagem chegue a um número bem maior de pessoas daquela cidade em específico.

“É um trabalho contínuo e de longo prazo, pois pressupõe a construção de relacionamento e também o fortalecimento da cidadania e do sentimento de pertencimento dos cidadãos pela sua cidade. É preciso estar sempre perto da população”, diz Amanda Guerra, coordenadora de mídias sociais da Prefeitura de Santos.

Há a expectativa de que as próximas eleições municipais sejam cercadas por tecnologia. Vários pré-candidatos já iniciaram campanhas nas redes sociais e querem “largar na frente”. Se há pouco tempo era comum apenas buscar votos pessoalmente, em eventos com lideranças de bairros, hoje é possível ter a empatia do eleitor também por meio da tela do computador ou do celular.

“Eu aposto em uma eleição municipal cercada de disputas nas redes sociais. Candidatos que mostravam rejeição já estão presentes com perfis oficiais, vídeos, textos. A presença na internet é cada vez mais importante e não adianta fazer de qualquer jeito. Quem procura especialistas e investe em tecnologia, sai na frente”, garante o jornalista Aldo Neto, especialista em redes sociais.

Atualmente, uma parte significativa do eleitorado procura pelos políticos nas redes sociais. Alguns esperam pelos projetos aprovados e querem saber mais do dia a dia de quem escolheu nas urnas, enquanto outros muitos cobram por melhorias do seu cotidiano e/ou pedem favores.

Independentemente dos motivos que fazem o munícipe procurar por um determinado político na web, é raro algum deles não ter pelo menos um perfil. E há quem esteja presente em todas as redes sociais, com publicações diárias e uma grande equipe de comunicação e marketing na retaguarda. É o caso de Kenny Mendes, vereador de Santos pelo DEM.

Eleito em 2012 para o primeiro mandato, o professor baseou sua campanha na proximidade com a população e prometeu fazer um “Big Brother” do seu a dia caso eleito. E deu certo. Nono vereador mais votado em Santos, Kenny tem toda a sua agenda publicada nas redes sociais. E mais: o edil atende a necessidades dos munícipes expostas por mensagens ou comentários no Facebook.

“Disse desde o começo que não ia aparecer apenas em ano eleitoral. Prometi que faria um BBB político, e é o que faço. Todos os meus trabalhos, mais de 3000, estão disponibilizados. Tenho o hábito de filmar todas as ações. Arrumei um monte de inimizades no Plenário. Dizem que pega mal, que a eleição ainda vai demorar. Mas quando veem as pesquisas, com meu nome em evidência, graças a Deus, percebem que esse tipo de política antiga não existe mais. Muitos que me seguem nem sabiam as atribuições de um vereador”, aponta Kenny.

O professor possui uma equipe, com jornalistas e publicitários, e o projeto audiovisual “Na Rua” tornou-se referência. Kenny visita bairros da cidade de Santos e ouve os moradores sobre as necessidades do local. Tudo filmado e publicado na web.

“Cada vídeo é uma viagem por um bairro diferente. Quem está no bairro não quer se ver esculachado, quer que mostre o problema, mas que mostre pessoas. É um roteiro. A demanda é grande, é até difícil de controlar. Já fui de madrugada ao Posto de Saúde para ajudar pacientes que estavam horas na fila. Recebo pré-candidatos a vereador da Baixada Santista, de São Paulo e até do Rio de Janeiro para conhecer o Na Rua. Recebo todos, independentemente do partido. Fico feliz por poder ajudar”, completa o vereador, que é canadense, mas naturalizado brasileiro.

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