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Barbaridade, sô!

Brasil possui mais línguas do que a população imagina, meu.

Os dialetos das línguas são tão comuns que é possível viajar no país e não entender que chá de bergamota é chá de mexerica e que “estar pregando” quer dizer “estar suado”


Por Jackeline Amorim Cunha

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que o Brasil tem cerca de 207 milhões e meio de habitantes. Isso pode não parecer nada se você comparar esse número com os 318 milhões dos Estados Unidos. Ou ainda, com o 1 bilhão e 300 da China, mas só esse pouquinho que temos foi suficiente para termos cerca de 280 línguas em nosso país.

Por exemplo, você sabia que o Brasil é o oitavo maior em número de línguas em uso? Desse número, 274 vem das comunidades indígenas. Mesmo assim, a predominante é a portuguesa, claro. Fique tranquilo, você não aprendeu proparoxítona e advérbio na escola à toa.

Uma linguagem sempre representa um público. Por isso, ela se molda de acordo com as necessidades dos grupos sociais que a utilizam. Ou seja, a maneira que eu vou falar algo depende das minhas condições culturais, regionais, históricas, sociais e pessoais, como idade, sexo e classe social. A língua é dinâmica, pois seus falantes também são. Quer ver? Antigamente, em Portugal, o pronome “vossa mercê” era usado para se referir à uma autoridade. Mas, com o tempo, esse termo se vulgarizou e se tornou “sossemecê”, depois “vosmecê”, até chegar em “você”. Quer dizer, quando a gente não se empolga e diz apenas “cê”.


Dialeto é a variedade de uma língua, especialmente geográfica, seja de uma região ou território. São aqueles uais, fios, feis, vei, mano, meu, mina, oxente, barbaridade, e todo o resto que não caberia aqui. São as gírias e os regionalismos que falamos com nossos amigos. No Brasil, há 26 Estados e um Distrito Federal. No total, são cinco regiões: norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul, divididas em três fusos horários. Dá para evitar não transformar o que falamos?

Lara Motta, de 22 anos, nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Mas foi criada em Monte Dourado, no Pará. Além disso, já viveu em Salvador na Bahia e no Rio de Janeiro. Ela mudou bastante de cidade devido ao seu pai, que trabalha com engenharia de projetos. “Aos 12 anos, me mudei para a Bahia. Uma expressão que estranhei muito quando cheguei foi “Deus é mais”, que pode ser substituído pelo “bate na madeira”, expressão que representa uma reação contrária ao que falaram, ou um “Deus me livre”, se usarmos a mesma linha de pensamento”, conta.
Lara tira selfie em ponto turístico no
Chile, para onde viajou ano passado.
No Rio, a estudante de Publicidade e Propaganda aprendeu que “marca um dez” pode significar “espera um pouquinho” quando você precisa parar algo que está fazendo para focar em outra coisa.


Aos 20 anos, Marcelo Ferreira foi prestar o vestibular de Geologia na Universidade Federal do Paraná. Ao chegar em Curitiba e pedir informações para o recepcionista do hotel, o santista se questionou se conseguiria entender tudo o que ele estava falando devido ao sotaque carregado. “Ao conversar com os taxistas, pude perceber que não sabia algumas expressões e que precisaria me adaptar, caso fosse morar na cidade”, afirma.


Três dias depois do resultado do vestibular sair, o estudante mudou para a capital paranaense. "Logo de cara, já notei bastante as expressões que meus amigos da faculdade usavam e que são normais para eles, como penal para estojo, vina para salsicha, e eu sempre estranhava. A adaptação com esses nomes diferentes para cada coisa foi minha primeira dificuldade, mas sempre entendi que era o jeito de falar do lugar. Somente agora, três anos depois, eu comecei a falar piá e guria para menino e menina”, diz.
Atualmente, Marcelo, que está no terceiro ano de Geologia,
toca e canta na banda da Universidade Federal do Paraná.
Emília Moroni nasceu em Santos. Em 2013, aos 53 anos, mudou-se para a região metropolitana de Porto Alegre com seu marido. Logo nos primeiros dias, foi ao supermercado e reconheceu que banana caturra e catarina eram chamadas de nanica e prata na Baixada Santista, respectivamente.


Não era a primeira vez que a técnica em turismo morava no Rio Grande do Sul, mas precisou se adaptar à cultura que é tão diferente de onde nasceu. "Por favor, eu quero cinco médias", ela disse na padaria do mesmo lugar. "Não, desculpa. São cinco pães", corrigiu. Média é só em Santos. Mesmo se ela pedisse a mesma coisa em alguma padaria da capital de São Paulo, se assustaria ao receber cinco cafés com leite. Gaúcho falaria pingado. Para eles, misto quente também tem outro nome: torrada. Que até então, para ela, era um pão que acabou de sair do forno.


No Espírito Santo, a palavra pocar pode significar arrebentar, em vários sentidos. Tanto como “a festa tá pocando”, ou seja, “a festa está demais”, como “vou pocar sua cara” para “vou arrebentar sua cara” quando um sujeito está bravo com outro.

Há três anos, a paulista Tainá Menezes mudou-se para Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Precisou aprender que calçada, que fica ao lado da rua, para eles, é passeio; assim como tabuleiro, que para ela significa a peça do jogo, é a forma de assar para os mineiros.

A estudante de Administração conta que, ao morar anteriormente em Araraquara, no interior de São Paulo, acabou adotando a expressão “acha?”, que é uma exclamação, uma reação a algo, quase como um “sério?” ou “mentira!” de São Paulo. “Uma vez, estava eu e uma amiga num táxi aqui em Minas. Ela também morou no interior paulista e tem a mesma expressão regional que eu. O taxista nos contava uma história e quando ficamos impactadas com o que ele falou, ambas falamos o “acha?!” ao mesmo tempo. Ele parou o carro para nos perguntar se achávamos que ele estava brincando com nossa cara. Foi uma situação superestranha”, conta ela, em meio às risadas.
Nosso país é tão rico em línguas, que existe até a Hunsruckisch, falada por parte da população do Rio Grande do Sul, que é uma mistura de português e alemão, que foram os colonizadores da região. No Brasil, são cerca de 17 dialetos regionais. Muitos. Os mais populares nos meios de comunicação são o carioca e o paulistano, ora pois. Opa, espera. Ora pois não é daqui, é uma expressão mista com português de Portugal.

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