A história de um nordestino que veio tentar a vida no sudeste, conseguindo dar a volta por cima, sendo um caiçara arretado.
Televisão,
sofás, mesa de jantar, porta-retratos e quadros. Aparentemente uma típica sala
de casa paulista, como qualquer outra do Guarujá, se não fosse pelos chapéus
nordestinos empilhados em cima da estante. Dentre eles, se destacam um chapéu
de vaqueiro e um parecido com o que Luiz Gonzaga – ícone nordestino – costumava
usar. É nesse ambiente, com um toque do Nordeste, que José Rodrigues dos Santos
se sente confortável para começar a contar um pouco sobre sua vida.
A
sessão de perguntas foi iniciada por ele com um sotaque bem carregado: “Vocês
estão avexados?” – expressão nordestina que significa apressados. E nós, como
jornalistas dispostos a fazer uma boa entrevista, respondemos: “não”.
Os
14 anos vividos no Nordeste, na cidade de Porto Real do Colégio, localizada a
duas horas de Maceió, no estado de Alagoas, não trazem boas lembranças para Rodrigues.
Nos anos 70, os nordestinos não recebiam ajuda do governo como recebem hoje.
“Na minha época, quando vinha a seca, não morria
só o gado, morria gente também. Lembro de alguns dias acordar de noite com
minha mãe chorando, porque não tinha um caroço de feijão em casa”, diz.
A
fome, além de ter sido a maior das dificuldades, foi o que influenciou sua mãe
e irmãos a deixarem a cidade natal para tentar a vida em Guarujá, assim como
alguns familiares já haviam feito antes.
Dentre
tantas lembranças ruins, o nordestino consegue lembrar de uma boa, que lhe
arranca até risadas: o fato de ter escolhido o próprio sobrenome. Algo que
poucas pessoas podem se dar o luxo. Isso porque na cidade onde nasceu, o
registro era feito na igreja, e quando as crianças católicas eram batizadas, o
padre já colocava o nome. Na vez de Rodrigues, seu nome ficou apenas como José.
“Meus
pais eram separados, e meu pai não quis me dar o registro. Só aos 14 anos,
quando tive de deixar o Nordeste, é que fui em busca do cartório mais próximo e me registrei. Pelo fato do meu pai
nunca ter sido presente, só coloquei os sobrenomes da minha mãe”, explica.
No Guarujá,
Rodrigues não passou por muitas dificuldades, mas o frio, segundo ele, foi um
grande desafio. “Quando cheguei aqui, não estava acostumado com o inverno.
Cheguei a ficar 15 dias sem tomar banho. Quando eu conseguia tomar, era só
grude na pele. Hoje, graças a Deus, esse frio não existe mais”.
Apesar
da baixa temperatura no inverno, foi aqui que a vida do nordestino começou a
melhorar. Quase um ano após ter chegado à cidade, com apenas 14 anos, ele
arranjou seu primeiro emprego, como cobrador de ônibus na Viação Guarujá. Na época,
não existia lei contra o trabalho infantil.
Depois
disso, passou por vários trabalhos. Foi padeiro, pedreiro, confeiteiro e outros,
até encontrar sua vocação: ser motorista de táxi. Função que exerce até hoje,
após 30 anos, e afirma que foi a profissão que o escolheu e não o contrário.
Isso porque a sorte deu um empurrãozinho: “Após ter conseguido meu próprio táxi, através do meu irmão, o mesmo me
arrendou o ponto, algo que só consegui comprar por causa de um prêmio acumulado
de uma quina, e desde 1988 aquele ponto é meu”, conta.
Além
de ter encontrado sua vocação, foi a profissão de taxista que deu origem ao
apelido Rodrigão da Parada. “No
ponto tinha pelo menos oito Josés. Foi pelo meu sobrenome Rodrigues, que
cheguei em Rodrigão”. Depois disso, por causa de uma loja de CDs que Rodrigão
abriu na cidade, com o nome de Parada Popular, alguns amigos começaram a chamá-lo
de Rodrigão da Parada. O apelido colou e hoje a maioria das pessoas o conhece
assim.
Por
conta do trabalho, Rodrigão não tem uma rotina regrada. “Não tenho horário
certo para acordar ou ir ao trabalho. Mas na hora que levanto, não faço corpo
mole e me pico (expressão nordestina que significa saio correndo)”.
Hoje,
além de ser taxista, ele também produz eventos, apresenta o programa ‘Rodrigão
da Parada e sua gente’ na TV Guarujá, que divulga bandas e casas de forró. No
programa, conta com a ajuda da produtora Maria Aparecida dos Santos Nunes, que
ele conhece carinhosamente por Cida e a considera como uma amiga. Cida guarda
boas lembranças dessa amizade. “Um dia fomos gravar com o Frank Aguiar em São
Paulo. Gravamos tudo e só ao término da entrevista o cinegrafista viu que a
câmera estava sem cartão, ou seja, não havia gravado nada. Foi chato, mais
depois rimos muito”, lembra.
Para
manter o laço com suas origens, Rodrigão é presidente da Associação dos
Nordestinos da Ilha de Santo Amaro, que é referência da cultura nordestina na
cidade. E também tem uma trajetória na política, apesar da ideia de tentar ser
político não ter partido dele. “Comecei a ajudar um amigo muito próximo que era
candidato a vereador. Um dia ele teve uma dor de cabeça e morreu em 24 horas. Os
médicos alegaram que era meningite. Foi quando me convenceram a ficar no lugar
dele. Saí e tive mais de 600 votos na primeira eleição”.
Depois
desse episódio, Rodrigão voltou a ser candidato a vereador em 2012 e para a
Câmara Federal em 2014, sem sucesso. Atualmente ele é pré-candidato a vereador,
com um sonho a ser realizado: criar um Centro de Tradições Nordestinas no
Guarujá, para dar à cidade mais um toque do Nordeste.
Os
mais de seis mil quilômetros que distanciam Rodrigão de suas origens não são um
empecilho na hora de matar as saudades de sua terra. “Por conta de questões
financeiras, fiquei 12 anos sem conseguir voltar para o Nordeste, mas essa
dificuldade não existe mais. Hoje, sempre que posso, vou até lá. Já fiz 18
viagens de carro e duas de avião”.
Enquanto
espera a próxima oportunidade, ele mata as saudades no cômodo ao lado de onde
conta essas histórias. Lá podemos encontrar coleções de CDs, DVDs e discos de
vinil de bandas nordestinas, além de retratos dele com importantes cantores de bandas
de sucesso como Belutti, da dupla Marcos e Belutti, e Caju e Castanha.
Mesmo
com tantas lembranças e saudades, e até uma proposta de emprego para voltar
para o Nordeste, a família que Rodrigão criou em Guarujá – sua esposa e quatro
filhos - é que o impede de voltar para suas origens. “Já recebi proposta de
voltar, mas eu não quis por conta de uma frase que um dos meus filhos falou
para mim: ‘Pai, parabéns pela proposta, mas me sinto mais seguro com você aqui’.
Pelo fato de minha família vir sempre em primeiro lugar, essa volta está fora
de questão”, garante.
O
fato de se autodefinir como uma pessoa bem família não é da boca para fora. Seus
familiares mais próximos corroboram tal afirmação, e enquanto Rodrigão
participa de uma sessão de fotos (ou bater retrato, como ele diz) que vai
ilustrar essa matéria, eles ainda vão um pouco além. “Ele faz e sempre fez tudo
pela família. Nunca tratou nenhum dos filhos diferente, nem os dois que têm
comigo, nem os dois que teve no primeiro casamento. Além disso, também é uma
pessoa muito trabalhadora e honesta”, enfatiza Luciana Maria Rodrigues, que
mantém há 30 anos uma união estável com Rodrigão.
Na
hora de tecer comentários, os filhos também não economizam: “Sempre foi um pai
amigo. Que chega, conversa e vê quando a gente não está bem”, diz Arthur
Rodrigues dos Santos. Sua irmã, Thaís Rodrigues dos Santos, finaliza: “Se algum
dia eu tiver uma família, farei de tudo para criá-la exatamente do jeito que
ele fez com a gente”.
Enquanto
ouvia os elogios, Rodrigão não emitiu um som sequer, se bem que não foi
necessário, pois seus olhos encharcados falaram mais que sua boca. Mas como
qualquer nordestino cabra macho, os enxugou rapidamente e já deixou o sorriso
tomar conta do rosto.
Mesmo
com a família e corpo em São Paulo, a alma de Rodrigão não está completamente
em um só lugar. Ela se divide entre onde atualmente mora e onde viveu sua
infância. “O Nordeste representa
minha origem. Adoro o Guarujá pois tenho raiz aqui. A família que criei, meu
táxi, o pouco que eu tenho é daqui. Mas nada como uma buchada de bode para
relembrar a minha terra”.
Após muitas histórias, elogios e emoções, a família se reuniu para “bater um retrato”, como ele mesmo diz |
É ELE!
Não é só o Nordeste que está
presente no dia a dia do Rodrigão, a expressão ‘É ele’ também. Algo que começou
de uma zoação ao atender o telefone. “Essa expressão surgiu porque as pessoas
ligavam para mim e perguntavam quem era que estava falando. Eu ficava meio
bravo por me ligarem e perguntarem isso. Então eu zoava respondendo: ‘É ele’. Às
vezes me confundo e atendo até o telefone do ponto de táxi assim”. Hoje, Rodrigão
afirma que a expressão virou marca e que utiliza, com bastante frequência, no seu
programa na TV.
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